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São Francisco e o Natal

Publicado por Frei Reymond Xavier | 30/11/2013 - 14:26

De modo a poder entrar no âmago da espiritualidade franciscana atinente à celebração do Natal faz-se necessário perceber, por um lado, a criação por parte de são Francisco de dois cenários, um exterior e outro interior e, por outro, apontar algumas linhas diretivas que tal espiritualidade produz.

Quanto ao primeiro cenário basta volta o olhar para Greccio uma pequena aldeia da Itália medieval na qual são Francisco idealizou e realizou a mais genuína intuição natalina de todos os tempos, qual seja a de “viver” no âmbito da oração aquilo que outrora se realizou por meio da Encarnação do Verbo de Deus no seio da Virgem Maria. Para tanto, utilizou-se de seres animados para a concreção de sua intuição. Somente o bebê que representava o menino Jesus era inanimado! Por quê?

Por força disto disso “popularizou” a celebração do Natal, uma vez que imprimiu – por assim dizer – novo sentido de celebrá-lo.
Em razão do procedente é possível entrever algo que se delineia no horizonte da espiritualidade de são Francisco na celebração do Natal do Senhor, ou seja, a sua sensibilidade em querer reviver quando relembrava aquele acontecimento singular na história: nascimento de Cristo. Eis o segundo cenário!

A profundidade da devoção de Francisco era tanta que devido ao seu imenso afeto pelo Amor Encarnado o clima espiritual que se criou proporcionou aos presentes uma experiência ímpar, visto que “viam, pois, deitado no presépio um menino exânime, viam que o santo de Deus se aproximava dele e despertava o mesmo menino como de um sono profundo. Isso ficou impresso na memória deles” (1Cel 86,7).

De ambos os cenários acima, sumariamente descritos, é possível apontar alguns pontos da espiritualidade franciscana concernentes à celebração do natal do Senhor, sobretudo no que diz respeito à imagem de Deus que tinha são Francisco.

Partindo da sensibilidade intuitiva de Francisco é possível desenvolver, em linhas gerais, o itinerário percorrido por ele para realizar algo tão significativo no âmbito da espiritualidade cristã. Assim temos o rever, o reviver e o renascer. Ao ver de novo a cena se desenrolando diante de seus olhos ele, revive; e, ao reviver, nasce junto com Cristo, isto é, completamente vulnerável. Com efeito, esse é o significado simples e, simultaneamente, complexo da espiritualidade franciscana em sentido natalino. São Francisco fica embasbacado ao realizar e ao meditar sobre a encarnação do Filho de Deus. Na encarnação ele percebe o quanto Deus é humilde porque Deus se fez um de nós. Deus se tornou carne de nossa carne, ossos e nossos ossos. O que significa que Ele armou a sua tenda em nosso meio. Ele é o Emanuel: o Deus-conosco! E não simplesmente o Deus para nós. Sendo assim, São Francisco pode se relacionar com Deus do modo como ele estava acostumado, ou seja, de um modo muito humano: acariciando, beijando, abraçando, cuidando, enfim, de todas as formas de expressões afetivas de que era dotado seu coração transbordante de amor.

Ora, Deus na encarnação, acima de tudo, é uma criança. E toda criança sempre retribui o gesto de afabilidade que lhe é prestado. Porém, o mais fantástico na espiritualidade franciscana não é o fato de contemplar o Deus-criança, mas é o de saber que o Deus-criança está ‘sujeito’ ao amparo dos homens. Traçando um paralelo com o livro do Gênesis que traz o relato da criação no qual Deus cria o homem a sua imagem e semelhança e dá a esse homem a possibilidade de cuidar da criação e o relato do nascimento de Cristo é possível notar a total inversão, pois que, agora – na encarnação -, o homem não mais cuidará daquilo que Deus criou, mas do próprio Deus, criador de todas as coisas. É justamente nesse ponto que está toda a estupefação de São Francisco diante da humildade de Deus. Disso se depreende a compreensão franciscana segundo a qual Deus é extremamente sensível a qualquer demonstração de carinho que uma sua criatura lhe tributa. Portanto, qualquer gesto nosso que tenha a intenção de Deus será recebido por Ele como um gesto de amor. Então, o núcleo central dessa festa é enxergar alguém do outro lado. E, esse alguém é como uma criança que precisa ser ‘amada e cuidada’. Ou seja, Deus recebe a nossa adoração da mesma forma que uma criança recebe um gesto de carinho: completamente aberto.

Neste pormenor é que está a intuição de São Francisco a qual operou uma mudança significativa no pensamento dos seus seguidores, posto que eles vissem a Deus como essa criança que precisa de atenção e cuidado, ou seja, é a completa aproximação de Deus. Mais! É completa entrada de Deus na vida de todas as pessoas.

São Francisco viveu como uma criança porque acreditava profundamente que tinha um Pai nos céus. Ele não sabia o que continha o seu amanhã, mas sabia que seu amanhã estaria repleto de amor tal qual o seu hoje, pois que, assim como o seu hoje, o seu amanhã seria um dom de amor desse Deus que ele contemplava, abraça e sentia junto a si. Daí a sua imensa alegria de viver porque viver significa ser amado por Deus de modo inimaginável.

Ao celebrar o nascimento de Cristo junto ao povo simples (camponeses, aldeães, mendigos etc.) de Greccio, São Francisco viu que eles eram como crianças, ou seja, pessoas com as quais era preciso compartilhar esse transbordamento de amor que ora vivia e fazê-las perceberem que o Deus-criança precisava ser amado, pois que “o menino Jesus tinha sido relegado ao esquecimento nos corações de muitos, mas neles ele ressuscitou, agindo a sua graça por meio se seu servo São Francisco” (1Cel 86,8).

 

Será que é possível intuir o porquê o menino que representava Jesus era inanimado?

Sobre o autor
Frei Reymond Xavier
Reymond Xavier de Lima, Professo Perpétuo. Nasceu no ano de 1983 em Ceres-GO. Filho de Edson Vieira de Lima e Maria da Conceição Xavier de Lima.